Reconhecendo a Presença de Jesus

Reconhecendo a Presença de Jesus

A narrativa de Lucas 7:36–50 nos conduz a um jantar aparentemente comum, mas espiritualmente revelador. Jesus está na casa de Simão, um fariseu. Ao que tudo indica, o convite não nasce da devoção, mas do interesse em observar, avaliar e talvez debater publicamente aquele Rabi que já causava tanta inquietação entre os mestres da Lei.

Na cultura da época, jantares assim aconteciam em ambientes abertos, com mesas baixas e almofadas no chão, permitindo que pessoas da comunidade acompanhassem o encontro em silêncio. É nesse cenário que se desenrola um dos episódios mais poéticos e confrontadores  do Novo Testamento, revelando uma verdade essencial: a forma como nos posicionamos diante de Jesus é diretamente proporcional ao valor que atribuímos à Sua presença.

Quando a Presença é Recebida sem Reverência

Na cultura judaica, receber um convidado envolvia práticas claras de hospitalidade, fundamentadas na própria Lei que Simão dominava. Ainda assim, ele negligenciou completamente três gestos básicos ao receber Jesus.

O primeiro era a lavagem dos pés — um gesto de respeito e cuidado, geralmente realizado pelo servo mais simples da casa. Simão não ofereceu sequer uma bacia de água na entrada da casa para que Jesus lavasse os próprios pés.

O segundo era o ósculo santo, o beijo de honra que reconhecia o valor do convidado. Jesus observa que Simão não o beijou em momento algum, enquanto a mulher, logo depois, não cessaria de beijar Seus pés.

O terceiro era a unção com óleo perfumado, gesto de apreço e alívio diante do calor intenso da região. Mais uma vez, Simão se omite, enquanto a mulher unge os pés de Jesus com um bálsamo caríssimo.

Essas omissões revelam algo profundo: Simão recebeu Jesus em sua casa, mas não O recebeu em seu coração. Um homem que se orgulhada do quanto conhecia sobre Deus e Sua lei, não reconheceu o Deus encarnado dentro de sua própria casa. Onde há revelação de quem Jesus é, há preparo, serviço e honra.

Uma Adoração em Escala Permanente

Este encontro também redefine o conceito de adoração. Não há música, cânticos ou liturgia — e, ainda assim, estamos diante de uma das cenas mais intensas de adoração das Escrituras. Isso nos ensina que adoração não é um estilo musical, mas o princípio que governa a vida do salvo.

Adorar é o “oxigênio do céu” invadindo o cotidiano. Não se limita ao templo nem a quem está no púlpito. Todo cristão está em escala permanente de adoração. Reconhecer a presença de Jesus significa honrá-Lo no trato com o próximo — seja um irmão ferido, alguém invisível aos olhos da sociedade ou até um simples gesto de cuidado cotidiano.

Como Corpo de Cristo, honrar o irmão é honrar o próprio Cristo. A verdadeira adoração inicia quando a música termina. Acontece quando saímos do modo litúrgico e vivemos uma comunhão contínua e orgânica com o Senhor.

Quando o Melhor é Derramado

Movida pela percepção de quem Jesus era, a mulher leva um vaso de alabastro com nardo puro — um perfume cujo valor equivalia a cerca de um ano de salário de um trabalhador comum. Ela não oferece sobras, mas o seu melhor.

Mais do que o valor material, ela entrega sua honra pública. Ao soltar os cabelos para enxugar os pés de Jesus, quebra um tabu cultural profundo. Naquele contexto, soltar os cabelos em público era algo impensável para uma mulher respeitável. Ela transforma o que poderia ser vergonha em instrumento de adoração.

Ao beijar os pés de Jesus — a parte mais impura do corpo na cultura hebraica —, ela expressa um dos sentidos literais da palavra adoração (proskuneo): “beijar os pés”. Ela reconhece que toda glória humana é pequena diante da majestade de Cristo.

Amamos A Medida que Vemos o Quanto Fomos Perdoados

Jesus então confronta o julgamento silencioso de Simão com a parábola dos dois devedores.
Um devia muito, o outro devia pouco, mas nenhum podia pagar. Ambos foram perdoados. A pergunta é simples e devastadora: “Qual deles amará mais?”.

A resposta revela uma lei espiritual: amamos na proporção em que reconhecemos o quanto fomos perdoados. Quem tem uma visão pequena do próprio pecado tende a amar pouco, julgar muito e viver espiritualmente adormecido.

A consciência da nossa miséria não nos afasta de Deus — ela nos lança aos pés de Cristo em gratidão, arrependimento e amor. Esse arrependimento sobe como perfume agradável diante do Senhor.

Normalidade Perigosa e o Consumismo Espiritual

Um alerta emerge dessa história: o perigo de uma fé excessivamente “normal”. A Bíblia é marcada por vidas que apontavam para Deus de maneira extraordinária. Quando nada em nossa caminhada sinaliza o Senhor, é tempo de vigilância.

Muitos se aproximam da igreja com uma mentalidade consumista, buscando apenas receber.

Mas o padrão bíblico é o do banquete, onde cada um traz algo para edificar o corpo. A abundância acontece quando toda a igreja frutifica, e não quando tudo depende de quem está no palco.

A Fé que Salva e o Shalom que Restaura

Jesus deixa claro que não foram as lágrimas nem o perfume que salvaram a mulher, mas a sua fé. Fé é enxergar Jesus como o único que pode perdoar pecados.

O desfecho é o Shalom. No hebraico, essa paz não é apenas ausência de conflito, mas ordem no caos. Ao reconhecer a majestade de Jesus, aquela mulher saiu completamente alinhada por dentro. Emoções, identidade e destino foram reorganizados.

Onde a presença de Jesus é reconhecida, o caos cede lugar à paz, e a vida encontra seu eixo novamente.

Marcelo Cacilias, discípulo de Jesus, casado com Luciana, pai de Luiza e Maria, congrega e coopera na Igreja em Porto Alegre.

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